DAS COISAS QUE PESAM DEMAIS
"as coisas não acontecem
como a gente quer
nem mesmo como a gente
não quer
as coisas nunca pedem
a nossa opinião"
Horácio Dídimo
Eu sempre achei que, no geral, com o passar do tempo as coisas tendem a ficarem mais pesadas, uma vez que quanto mais o tempo passa, mais crescem os compromissos, as questões, coisas, coisas e mais coisas. Nem precisa ser tanta coisa assim, mas no dia-a-dia parece ser uma montanha que nós insistimos em enfiar dentro da bolsa antes de sair de casa.
No meu caso, as coisas ficaram mais leves conforme o tempo foi passando. Venho tratando de me livrar de qualquer bagagem que seja pesada, das picuinhas, dos "lenga-lengas". E veja! resta a vida. Nada mais, nada menos. Simples assim!
Parece simples não é !? Mas não é tão simples. Carregar pouco exige esforço. A simplicidade não é simples porque até chegar nela há um caminho a ser percorrido. Um caminho de "livramento", porque é preciso se livrar de muitas coisas. Coisas que já não servem mais. Coisas que pesam demais. Coisas que são leves demais e que por isso não conseguimos segurar nas mãos. Coisas que já serviram, pelas quais conservamos um apego especial (como a criança, resistente, quando a mãe pergunta quais brinquedos quer doar), mas que agora simplesmente não cabem em lugar nenhum. Coisas que são passadas e no passado devem permanecer.
Se livrar do peso das coisas é como mergulhar de uma vez na água gelada. Dói. A gente coloca a ponta do pé e jura de pé junto que morre de hipotermia se entrar de cabeça; mas não morre. Ninguém nunca morreu por se livrar de coisas que pesam demais. As coisas que pesam demais não são apenas coisas, objetos materiais. Aliás, estão longe disso. Eu falo das coisas que pesam subjetivamente (ah, esse peso é pesado!).
Não é a vida que pesa. A vida é só a vida. Nós é que a adornamos, por vezes com coisas pesadas demais. Com demandas demais. "Por que tudo (fulano, ciclano) não pode ser diferente?". Uma pergunta que, sozinha, ultrapassa o limite permitido para realizar a viagem. Uma pergunta que pesa.
Descobri depois de muitos dias vividos, que para alcançar o simples, às vezes é preciso percorrer caminhos pedregosos. É uma faca de dois gumes, e afiada, por sinal. Porque, inevitavelmente, leva a gente a concluir que somos nós mesmos, somos nós que não queremos nos livrar daquele vestido de formatura de 1994, daquela velha mágoa que envelhece a cada ano e não amadurece nunca, daquele apego por alguém que simplesmente não faz questão, daquele padrão de pensamento que sempre nos leva pro buraco. É a gente que, no fundo, pede pra sofrer. "E se eu sair de casa carregando apenas meu RG e alguns trocados na bolsa? Vão achar que não tenho nada, vou me sentir inferiorizada(o)..."; coisa desse tipo.
Por isso o simples é complicado. Porque não se trata apenas das coisas, mas de como nós enxergamos as coisas. O complicado continuará sendo o mais fácil enquanto não nos desapegarmos das sofrências desnecessárias. Enquanto insistirmos em ter essa demanda incansável em relação à vida e às pessoas. É nesse sentido que o simples abre espaço para a leveza das coisas como elas são, para as pessoas como elas são: porque limpando a nossa área interna, abrimos espaço para outras coisas. O céu fica livre de nuvens e podemos enxergar as cores mais vivas e os detalhes que quase nunca podíamos reparar, devido à névoa das complicações.
Chego à conclusão de que talvez nos falte ver a vida como ela é, apenas. Talvez só assim poderemos desabrochar, e toda beleza da vida então poderá surgir dos buracos na terra nos quais costumávamos plantar de tudo, e ao mesmo tempo, nada. A simplicidade pode não ser tão simples quando parece, porque, por incrível que pareça, emerge do contato com o que temos de mais difícil. As coisas continuarão sendo coisas, as relações continuarão trazendo para a superfície nossos conflitos internos, as dificuldades continuarão a surgir, mas cabe a mim - e apenas a mim - decidir como vou olhar pra tudo. A simplicidade é um grande clichê, mas clichês fazem todo sentido quando sentidos. Não devemos complicar tanto assim.
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