O QUE VIVEMOS E FOMOS E SOMOS
Esse artigo é para você que nasceu no fim dos anos sessenta e começo dos setenta em um país subdesenvolvido da América do Sul. É para você que cresceu ouvindo rock; que viu a queda daquele muro pela TV, que se animou quando ouviu Nirvana no começo dos noventa e que hoje anda se sentindo mais ou menos, digamos assim... na envelhescência. Esse texto é para que você não negue a idade que tem porque, afinal, vivemos muitas coisas boas até agora
Olhe para trás mas não com essa expressão que mostra
nitidamente que você já está precisando de óculos, apenas, olhe para trás. Olhe e tente enxergar as nuances mais doces da sua infância... Você consegue? Foi bem ali naquele trecho já escondido pelo matagal do tempo desse longo caminho de sua vida que você nasceu, não? Talvez no fim dos anos 1960 quando tudo isso aqui, digo, o seu país, era uma viva promessa de sonhos frescos e inocentes. Havia ecos de festivais da canção, moças que casavam ou casavam, uns poucos rebeldes mas nós estávamos chegando e nada disso importava. Depois fomos crescendo envolvidos de forma ainda distanciada, por uns nascentes ecos da revolta, mas éramos somente crianças perdidas em fantasias e gostávamos de brincar correndo pelas ruas.
O fato é que de qualquer forma, um dia a gente acha que correr nas ruas e subir em árvores não tem mais graça nenhuma e aí a gente começa a ouvir rock e a achar que ser criança é uma grande bobagem (mal sabemos o que nos aguarda rs). Mas no meu (nosso?) caso, isso aconteceu no começo da década de 1980. Você se lembra? Éramos tão jovenzinhos (pré-adolescentes como dizem hoje), tínhamos as bochechas gorduchas ainda e não gostávamos quando conversavam com a gente como se ainda fôssemos crianças... Como os adultos demoram a entender certas coisas... como demoram.
E então, ali pelos 15 ou 16 – 1984 ou 85, talvez – enquanto nossos corpos se trasformavam, encontrávamos algum diversão ouvindo, é claro: rock pop. E a gente achava que era maravilhoso (e era mesmo) sermos assim, tão jovens porque bem ali, naquele tempo da nossa chegada ao ‘mundo pós infância’ – estava ocorrendo no Rio aquela grandiosa ode ao... rock! O tal do ‘Rock in Rio’. Veja: era a primeira vez que o Brasil recebia de uma vez, bandas tão ‘tão’ como Yes, Queen ou Scorpions (na verdade eu não gostava tanto assim delas, mas de qualquer forma, nessa idade a gente se empolga fácil).
E nós tínhamos quinze ou dezesseis anos e sentíamos essa vibração e ela nos atingia com força. Eu estive lá e aquilo foi algo grandioso mesmo.
Mas embora pareça, isso não é uma tese saudosista sobre a adolescência e tudo que a envolve (digo, tudo, inclusive as dezenas de decepções semanais e a certeza de que o tempo está passando e que a vida não espera que a gente ‘entenda’ e sim que apenas ‘viva’).
Assim, aos sobressaltos e sabendo já, cansados de saber, aliás, que aquilo era um grande sonho que haveria de evaporar (afinal, tínhamos gente mais velha para nos lembrar disso o tempo todo, como não?! Como bem fazemos hoje com os pré-adolescentes que conhecemos) e que o Fred Mercury e o Cazuza eram gays (e: e daí?) e daquelas tantas bandas dos anos 1980.
Talvez ali pelos quase vinte anos, final dos 80 e já com a ‘ficha’ (sim: ficha; para soar datado mesmo) caindo; já tendo que decidir isso e aquilo; já sabendo que a vida não era nenhuma ‘viagem psicodélica’ como pregavam – no final dos 80 já tão antiquados e tristonhos – hippies.
E nós nos tornando jovens e vendo que houve impeachment daquele fulano mas ele voltaria anos adiante, como um zumbi bem alimentado sabe-se lá do quê (quilos de ambição devidamente corrompida, gosmenta e úmida?)
E então, envelhecemos e ficamos com a cara dos nossos professores de física e matemática, aqueles que quando tínhamos 16 nos olhavam com um misto de espanto e pena...
Mas aí, já tínhamos bem mais de 20, quase 30 talvez ou até mais que isso... Talvez dez anos a mais porque já nos parecíamos com nossos pais e professores e já nos preocupávamos com rugas e já sabíamos que algumas das nossas canções juvenis, antes tão frescas e puras, já cheiravam a mofo...
E, agora, aos quarenta e muitos é a hora certa de dizer – sentindo muito mesmo – que estamos irremediavelmente envelhecendo. Que nenhum novo procedimento estético poderá deter a flacidez da nossa cara e que só nos resta agora cantar aquela canção – tão bobinha afinal, daquela banda tão oitentista – ao contrário, e a plenos pulmões gritarmos ‘somos tão velhos...tão velhos..!” E assumir isso, sem neuroses ou tentativas bizarras de apagarmos tudo o que vivemos e fomos e somos: envelhecer tem lá suas espantosas alegrias e que bom que mais velhos que nós, lá adiante, ainda estão aqueles que nos fizeram gostar de rock e se eles estão resistindo ainda, sigamos também, envelhecendo, porque disso, ninguém escapa (saibam vocês, pré-adolescentes do século XXI rs).
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