CIÚMES A "MÉTRICA" DO AMOR
O ciúme parece já ter sido tombado como patrimônio histórico dos relacionamentos amorosos, como se fosse preciso aceitar que está lá e jamais vai embora. O problema tem muito a ver com a ideia de posse.
A nossa maneira latina de avaliar a qualidade de um relacionamento é observar se as partes envolvidas "se possuem". A métrica define que o ciúme seria um demarcador positivo. Se há sentimento territorialista, isso denotaria amor.
No entanto, a pressão sobre o parceiro tensiona e por vezes leva ao fim prematuro da relação, por mais tempo que essa relação tenha, porque pra mim é sempre prematuro o fim de um relacionamento por conta de ciúmes, ou melhor, é sempre imaturo. O que dá no mesmo, pois que um relacionamento que acaba por causa de imaturidade, acabou prematuramente, não importa quanto tempo estejam nessa labuta, se sobreviveu ao desgaste 1, 10, 20 ou mais anos.
A cada novo acontecimento o ciumento precisa checar: "você ainda está aí?", "ainda me ama?", "ainda acha que sou bom o suficiente?".
Isso pode parecer bonitinho quando a paixão está comendo solta, mas não quando se pretende levar uma vida juntos. Logo se torna exaustivo e infantil. É como se o ciúme quisesse garantir um lugar de exclusividade pela checagem – e não pela experiência mútua de contentamento.
Penso que o principal medo do ciumento é ser abandonado ou enganado, "fico em cima mesmo, não quero ser feito de trouxa". Esse medo obsessivo acaba criando uma relação competitiva com o resto do mundo e controladora com o(a) parceiro(a).
Precisamos entender que nisso, o ciúme se assemelha com vários quadros psiquiátricos.
Não raro pessoas com esquizofrenia, transtorno de personalidade borderline, obsessivo-compulsivas ou apenas alcoolizadas manifestam essa paranóia ciumenta.
Aliás, o componente principal do ciúme é justamente essa paranóia que desconfia do outro utilizando dados parciais e interpretações tortas da realidade para legitimar seu mal-estar.
O ciumento nunca diz "eu sinto ciúme". É sempre agindo desse jeito: "você me faz sentir ciúme". Tornando a causa do mal-estar exteriorizada, a pessoa não assume a responsabilidade devida pelo sentimento.
Outro ponto que complementa a paranoia de muitos é o sentimento de inferioridade que o ciumento chama delicadamente de insegurança.
Mas é diferente falar de insegurança em uma pessoa que poderia trabalhar para o FBI em matéria de esperteza. Se alguém consegue rastrear o outro e cruzar dados para confirmar sua tese de traição, como chamar essa pessoa apenas de insegura? Ela pode se sentir inferior e ficar perturbada por isso, claro. Entretanto, precisa ter bastante segurança para ir atrás de tantas provas e considerar tal ato razoável.
O ponto fraco do ciumento que já passou da conta costuma ser aquilo de sentir, lá no fundo, que nada do que faça ou seja é o bastante para "garantir" a relação.
O sentimento é de menos valia e baixa "gostabilidade", como se qualquer pessoa fosse potencialmente mais atraente, bonita, inteligente, sexy ou interessante.
O ciumento age como um agente daqueles seriados que investiga provas físicas ou emocionais, checando tudo que o outro fala, sente e se está onde diz que está. É nessa necessidade de controle e previsibilidade que a pessoa se perde. Afinal, essa é uma aspiração digna de "Alice no país das maravilhas".
Pois a vida é imprevisibilidade e fluxo.
O ciúme é a antítese do amor de verdade que precisa de espaço, liberdade e generosidade para acontecer.
O ciumento age, em linhas gerais, de modo mesquinho. Contando os passos, os olhares, as alegrias da pessoa amada para na sequência roubar o sorriso no rosto com uma pergunta do tipo "está rindo para quem?".
Certamente não é isso que garante uma resposta honesta ou uma alegria correspondente. Sem perceber, o ciumento faz murchar a pessoa que tanto diz idolatrar.
O que poderemos fazer, então, numa situação caótica dessas?
Para iniciar um processo de superação do ciúme (que é possível, acreditem) é preciso mais que revisitar seu modelo de amor e repaginar sua vida, sua visão de mundo e sua personalidade.
O ciúme não é apenas um problema amoroso, ele sinaliza como nos relacionamos com a própria felicidade em nossas vidas.
É preciso trabalhar em si a capacidade de estar vulnerável diante do outro. Assim nos deixamos inspirar pela generosidade e alegria alheias.
Isso se treina, não é dom inato.
Podemos combater o ciúme com pequenos gestos, como cuidar de si, respirar antes de falar o que vem a mente – no sentido de filtrar esse hábito estraga-prazeres. O foco é interno, você olha com carinho para si mesmo, parando de perseguir, controlar e criticar cada passo dos outros.
É um treino pra vida.
Ao deixar transbordar a sensação interna de contentamento em viver, o ciúme pouco a pouco perde espaço. Lentamente, as paranoias cedem, dando lugar ao conforto de ter paz.