sexta-feira, 28 de outubro de 2016

PRÉ-FINADOS - PARTE I > SOBRE A MORTE DOS OUTROS

NINGUÉM QUE AMAMOS MORRE, SÓ FICA INVISÍVEL


Mês de novembro aproxima e com ele, logo de cara, o dia de finados e o sentimento de pesar profundo pelas pedas da vida. Oportunidade pra pensar e falar de morte, o assunto mais evitado e temido da face da terra, mas não precisa ser assim.
Veja, primeira coisa que a gente precisa compreender frente ao sofrimento da perda é que nesse dia estamos nos despedindo de um corpo físico, não é da história. Se você se despede do seu pai, você não mais vê, abraça ou conversa com ele, ele fica invisível, mas continua sendo seu pai, a história toda que você teve com ele vai continuar sendo real, o problema é que a pessoa que perde um ente querido entra na condição de sentir que se a pessoa morreu tudo aquilo foi com ela, mas não vai, o amor fica. O amor que você compartilhou é o que te salva. E é essa sensação que vai fazer com que esse tempo de luto seja um tempo de transformação para quem fica, onde você vai continuar se relacionando com a pessoa que ficou invisível, ela existe ali e a gente nunca a perde. 
Com ou sem luto antecipatório, quero dizer,  seja perda repentina ou esperada, é preciso compreender a despedida, é fundamental pra que gente consiga ficar no mínimo em paz.
Vou descrever uma sensação familiar para quem vive ou já viveu a perda de uma pessoa muito próxima. Você está em algum ambiente festivo, conversa animadamente com um grupo de pessoas e aí alguém pergunta, sem saber que faleceram, sobre seu pai, mãe, filho ou marido. Quando você responde que essa pessoa querida morreu, é como se um raio gelado congelasse as expressões e sorrisos em torno. Ninguém sabe muito o que dizer, ensaiam um “sinto muito”, “desculpe”, “meus pêsames” e então, com o mesmo sorriso congelado vão se afastando e procurando outra roda de conversa.
Falar em morte em uma festa é impensável, o clima fica tenso, algumas pessoas desviam o olhar, buscando o buraco onde gostariam de se esconder. 
Embora não gostemos do assunto, vamos todos morrer e quanto mais nos prepararmos para a ideia, melhor partiremos. É esse o grande aprendizado a obter enquanto estamos vivos. 
São muitas coisas que envolve a morte, existe as dimensões físicas do fim, no caso de doença a busca do conforto e da importância de manter a consciência sem sofrimento de quem está partindo. Sem falar das mortes simbólicas, e da vida depois da morte: o luto de quem fica.
Esse assunto, o luto, é uma conversa importante que a gente precisa parar e pensar direito no decorrer da vida, sem a confusão que aplicamos a nós mesmos quando chega esse momento, tornando a dor ainda mais difícil de suportar.  
A pessoa que morre não leva consigo a história de vida que compartilhou com aqueles que conviveram com ela, e para quem se tornou importante ao longo de sua vida.
A dor do luto é proporcional à intensidade do amor vivido na relação que foi rompida pela morte, mas se entendermos o invisível, é por meio desse mesmo amor que conseguiremos nos reconstruir.
Quando morre uma pessoa amada e importante, é como se fôssemos levados até a entrada de uma caverna. No dia da morte entramos na caverna e a saída não é pela mesma abertura por onde entramos, pois não encontraremos a mesma vida que tínhamos antes. A vida que será conhecida a partir da perda nunca será a mesma de quando a pessoa amada estava viva. Para sair dessa caverna do luto é preciso cavar a própria saída.
Essencialmente, o luto é um processo de profunda transformação. Ninguém poderá fazer essa tarefa por nós: a tarefa mais sensível do luto é restabelecer a conexão com a pessoa que morreu por meio da experiência compartilhada com ela. A revolta, o medo, a culpa e outros sentimentos que contaminam o tempo de tristeza acabam prorrogando nossa estadia na caverna e podem nos conduzir a espaços muito sombrios dentro de nós.
É mágico como a dor passa quando aceitamos a sua presença. Olhemos para a dor de frente, ela tem nome e sobrenome. Quando reconhecemos esse sofrimento, ele quase sempre se encolhe. Quando negamos, ela se apodera da nossa vida inteira.


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