A VIDA DOS OUTROS NÃO É UM PROBLEMA PARA RESOLVERMOS
Nenhuma pessoa pode estar certa o tempo todo. Racionalmente, portanto, sei que estou errado em muitas das minhas certezas.
Se penso no meu eu-de-dez-anos-atrás, posso facilmente listar várias certezas equivocadas dessa pessoa que agora me parece tão distante.
Por outro lado, hoje, vivo imersa na segurança das minhas certezas, tão lógicas, tão conscientes, tão evidentes!
(Afinal, se não achasse que minhas opiniões estão certas, elas automaticamente deixariam de ser minhas opiniões, certo?)
Entretanto, apesar dessa minha imensa segurança nas minhas certezas, a não ser que eu queira sinceramente me colocar na insustentável posição de única pessoa do mundo que jamais está errada, eu tenho que presumir que muitas das minhas certezas atuais são equivocadas.
Daqui a dez anos, se eu ainda estiver viva, quais serão as falsas certezas que verei no eu-de-hoje?
Em que estou errado hoje, apesar de jurar que estou certa?
Vivo cercada de pessoas que (me parece que) estão autodestruindo suas vidas diante dos meus olhos.
Essas opiniões sobre as vidas alheias surgem dentro de mim com extraordinária clareza, quase verdades divinamente reveladas:
"Como pode ela não enxergar que esse namorado é um safado?! Como pode ele não ver que esse negócio está comendo suas economias e vai falir de qualquer jeito? É tão claro, tão óbvio, tão evidente!"
Então, decido interferir. Afinal, essas pessoas — ofuscadas por seu amor romântico, por seus sonhos de estrelato, por seus desejos de liberdade — não sabem o que estão fazendo. Ainda bem que eu sei: eu vejo a verdadeira verdade que elas não veem. E vou falar!
Mas... e se eu estiver errado?
E se minha amiga entender mais do seu relacionamento, dos seus sentimentos, de suas necessidades... do que eu? E se meu amigo entender mais dos seus sonhos e de suas expectativas em relação à arte... do que eu? E se aquele meu conhecido "sonhador" entender mais de seu mercado, de seu negócio, de quanto pode investir... do que eu?
Afinal, se observo a vida dessas pessoas e considero que estão fazendo tudo errado... quantas pessoas não observam a minha vida e consideram que eu estou fazendo tudo errado?
Se não dou a elas o direito de interferir na minha vida, por que eu teria o direito de interferir na vida dessas outras pessoas?
Não estou afirmando que as pessoas sempre sabem melhor de suas próprias vidas do que as outras. De fato, o oposto provavelmente é verdadeiro. Porque além de sermos pessoas capazes de perdoarmos nossos próprios erros, levamos excessivamente em conta nossas intenções. Já as outras pessoas têm a enorme vantagem de nos analisar somente por nossas ações, por isso somos péssimos juízes de nós mesmos, mas ainda assim a vida das outras pessoas não é um problema para resolvermos.
Quando uma pessoa escuta um problema e já corre para aconselhar, o que ela está dizendo, na verdade, é:
"Você achava que tinha um problema só porque ainda não tinha falado comigo. Senta aí e prepare-se para beber as soluções que vão jorrar da minha fonte de sabedoria."
Mas será que realmente temos como resolver as vidas das pessoas à nossa volta com a mera articulação de nossas ó-tão-sábias opiniões?
Cheias de conhecimentos, insufladas de certezas, borbulhantes de opiniões, nossa tendência é supervalorizar a originalidade de nossos incríveis conselhos.
Eu raramente testemunhei algum conselho que realmente trouxesse uma contribuição original.
Mais importante do que determinar qual é a atitude "certa" que alguém deve tomar; mais importante do que encarar sua história como um problema a ser resolvido ou como um teste que tem uma resposta certa; lembrando sempre que ninguém lê pensamentos e podemos estar errado; a ideia sempre é simplesmente ajudar a entender ou articular o que a pessoa mesmo já sabe a seu próprio respeito.