quinta-feira, 19 de outubro de 2017

FELIZES POR PODER ASSINAR A PROPRIA BIOGRAFIA

O QUE A ANALISE NOS ENSINA  



A análise nos ensina, basicamente, a sermos protagonistas da própria história. A nos responsabilizar pelas nossas mazelas e encantos, paixões e tormentos; sem chicotes. A análise nos ensina a tomar as rédeas, escutar o próprio desejo, pra depois dizer do próprio desejo, amar e viver, fora da plateia marcada pela impessoalidade e passividade. É como se fosse uma auto escola, na medida em que nos ensina a conduzir, a nos conduzir, a andar sobre os nossos pés, mesmo que doa, a gastar a sola dos nossos sapatos e não apenas assistir à vida em uma televisão que sequer é nossa.
Não à toa que a plateia conta com o chamado "animador", que sinaliza quando devemos aplaudir, rir ou permanecer sentados, quietos. O/a protagonista é aquele/aquela que não obedece o "animador", ri, chora, senta ou levanta quando bem entender e incomoda, às vezes. É claro que tudo isso dentro de um respeito mínimo pelas regras sociais. Mas não é disso que estamos falando. Estamos falando de um "sentar e levantar quando bem entender" subjetivo, íntimo. E sentar e levantar quando bem se entende dói. O desejo cansa, li certa vez. E como. Porque é difícil viver com intensidade, ou em sintonia com a própria verdade. A maioria das pessoas só quer a mansidão, molhar os pés na superfície. É de se esperar, uma vez que é difícil, tem muita fala pra decorar, os textos são enormes e a gente nunca consegue burlar um ensaio. A vida é o próprio ensaio.
Começa-se uma análise pelos mais diversos motivos. Para se descobrir, para nascer... talvez pela primeira vez. Para dar voz ao inconsciente: este que não conhecemos, este que é "estranho, porém familiar", escreveu Freud. Este que nos assusta, assombra. Mas, o que assombra mesmo é deixá-lo nas sombras, à mercê de qualquer embarcação, com qualquer comandante ou animador de plateia.
No fim, estaremos gratos - próximos do que chamam de "felizes", talvez? - por poder assinar a própria biografia. Assinatura esta que se faz fazendo, gerundiando, com a tinta da caneta do próprio desespero, que se transforma em sofrimento, que se transforma em dificuldade, que se transforma em questão, que se transforma em "isto é meu". Que se transforma. Sempre. Sigamos, em busca do/da nossa protagonista perdida nos bastidores. Para que esse viver seja marcado, de alguma forma. Para que não seja em vão esse instante que é a vida.


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