AS FLORES DE PLÁSTICO NÃO MORREM, MAS TAMBÉM NÃO VIVEM
A canção “Flores”, da banda Titãs, composição de Branco Melo e Arnaldo Antunes tem uma letra intensa e complexa. Mostra a tensão da vida e da morte no contexto de uma sociedade caracterizada pelo individualismo levado ao extremo e por relações cada dia mais superficiais, em que se perde a paixão ou o sentido da vida. A letra apresenta uma morte simbólica. Muitos a interpretaram como sendo a narração de um suicídio. E, nesse caso, é o próprio morto quem ‘narra’ o que está ‘vendo’ e ‘sentindo’ a partir de sua ‘visão’ e posição: de dentro do esquife. Não é uma interpretação descabida quando lemos os seguintes trechos: “Os punhos e os pulsos cortados e o resto do meu corpo inteiro; há flores cobrindo o telhado e embaixo do meu travesseiro; há flores por todos os lados, há flores em tudo que eu vejo (…) as flores têm cheiro de morte”.
Interpretando a letra como morte simbolica, vemos o artificialismo como projeto de vida e o peso de se viver na sociedade contemporânea: “Olhei até ficar cansado”. Num mundo de relações artificiais, as pessoas não suportam o que tem vida: “as flores do canteiro”. Assim, são marcadas pelo inautêntico: “as flores de plástico”. Vivemos numa sociedade em que a cópia é mais importante do que o original. O ‘parecer ser’ ocupa o lugar do ‘ser’. Assim como o ‘ter’ é mais valorizado do que o ‘ser’. É o mundo das aparências.
Como quando uma foto ou imagem vale mais do que o real. Ela capta o instante ‘perfeito’ de um mundo ‘imperfeito’. É como se pudéssemos suspender a vida – com todos os seus dramas – e usufruir apenas dos momentos mágicos e artificiais.
A canção termina com a seguinte frase: “as flores de plástico não morrem”. É necessário explicitar que as flores de plástico não morrem, mas também não vivem, não exalam perfumes, não envelhecem e não precisam de cuidados. Elas ficam circunscritas à dimensão estética dos simulacros. Em alguns casos, podem até ser bonitas e terem a aparência das flores naturais, mas todas já nascem mortas! Somos assediados o tempo todo pelas formas artificiais de viver a vida numa sociedade que hiper valoriza as aparências e as relações descartáveis. As flores de plástico e a fotografia são tentativas de eternizar aquilo que é efêmero e de driblar o que é próprio da natureza humana: a mortalidade. Nascemos, crescemos e morremos. São os ciclos naturais da vida. Devemos ficar atentos para não reduzirmos a nossa existência ao mundo dos simulacros. Somos flores originais e repletas de vida, mesmo que por tempo limitado. A atriz Fernanda Montenegro, certa vez quando indagada por um repórter: “você já fez alguma plástica?”, disse: “não, pois estas rugas me custaram muito”. Simbolicamente, cada ruga traz à sua memória cenas de uma vida real.
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