SAPATO NA VITRINE
Tem gente que tá atrás do relacionamento perfeito, mas não se entrega a relacionamento algum.
Tem gente procurando algo perfeito. Talvez realmente encontre essa perfeição em alguém, mas isso certamente vai durar apenas alguns dias. De repente, ao acordar numa manhã se dê conta que aquele parceiro perfeito se transformou em uma pessoa real. Com quem: era preciso conciliar os horários de cada um; ele e ela possuíam gostos diferentes; ambos provavelmente tinham valores, sonhos e desejos distintos.
É uma questão de entender que encaixar uma pessoa dentro da sua realidade – é, ao mesmo tempo, descobrir como fazer parte da realidade dela – e isso não precisa ser necessariamente um problema. Na verdade, pode – e deve – ser bom.
O problema é que não se quer uma pessoa, mas uma esposa (ou namorada, ou noiva, chame do que quiser) que já venha pronta. Essa é a perfeição que se busca, um relacionamento que seja planejado, construído e formatado dentro dos moldes que você mesmo criou.
Percebo que o vazio existe no mundo moderno, assola os relacionamentos em que já começam errados. As pessoas tem 6.000 combinações em sites para conhecer pessoas e não tem a mínima vontade de falar "oi" ou ligar pra alguém, isso chega a ser complicado e até ser triste... Mas 'ficas' ou 'sexo sem compromisso' tem de montes por aí a fora, chega a ser até fácil de identificar uma relação assim que um dos lados só quer isso! Por isso penso que estamos nos tempos de relacionamentos vazios do tipo 'fast foods'.
E viva a tecnologia que nos trouxe os 'fast foods' da vida, ou não, para os que procuram realmente um envolvimento mais sério.
Acho o seguinte: tudo o que a gente espera do outro é apenas reflexo do que a gente não superou em nós mesmos.
Os aplicativos já nos coloca na situação de "estar na vitrine". Eu não participaria de nenhum. Não gostaria de ser escolhida pelo avatar. Prefiro alguém me olhando nos olhos e se encantando com meus tropeços diários. Porque é esse o alguém que vale a pena. Um ser cheio de alegrias e falhas. Compatível comigo é aquele disposto a aprender. Disposto a reconhecer as próprias fraquezas. Eu não quero alguém "similar" a mim. Eu quero que minha energia alcance alguém que se identifique com minha busca. E só assim, haverá um encontro real. Ninguém acha ninguém. A gente se reconhece nos caminhos da vida.
Esses tempos líquidos... escapam por entre os dedos. E as pessoas ficam cada vez mais parecidos com um sapato na vitrine. E depois de alguns meses de uso, é necessário trocar. Não há mais conserto.
Admiro aqueles que se reinventam, que ao invés de mudar de parceiro, mudam o próprio olhar buscando descobrir mais um pedacinho do companheiro.
A sensação de variedade que esses aplicativos modernos trouxeram, vem justamente da sensação de que todo mundo é substituível e de que não vale muito a pena lidar com conflitos porque ali na frente, mais cedo ou mais tarde, acharemos outra pessoa interessante.
Quando analiso a vida de solteira, ela parece tão cômoda que dá preguiça de tentar conciliar a nossa bagunça com a bagunça de outra pessoa. Eu acho sim que tem que haver uma dose absurda de resiliência, que temos que ter paciência e mente aberta, mas ao mesmo tempo, tem que haver uma compatibilidade mínima, tem que haver algo no outro que a gente admire e deseje.
Viramos entusiastas do individualismo (não da individualidade) e passamos a tratar as pessoas como descartáveis, eis o grande erro: As pessoas talvez sejam substituíveis, descartáveis não, e nessa ânsia por encontrarmos o melhor dos outros sempre, esquecemos de olhar pra nós mesmos e avaliarmos se realmente nós estamos à altura de receber tudo aquilo que queremos.
Esse é exatamente o grande vilão dos relacionamentos de hoje, o "amor fast food", pronto, utilizável, que visa apenas saciar o prazer que cada um de nós carrega. Ninguém tem mais tempo para buscar conhecer o outro, suas frustrações, medos, desesperos, defeitos e qualidades. O aplicativo fast food permite que você encontre quem possa te dar uns carinhos, trocar momentos bacanas, e aí quando passa o encanto, e a convivência passa a ser uma coisa comum entre os pares, recaímos em uma frase famosa de Millôr Fernandes: "Como são admiráveis as pessoas que nós não conhecemos."
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