JOGOS FINITOS x JOGOS INFINITOS
Há alguns dias ficamos sem conexão com a internet. Essa é uma versão moderna e um pouco mais cruel do antigo problema da falta de luz. Digo mais cruel porque os aparelhos continuam funcionando, mas sem internet são apenas caixas luminosas, sem muita utilidade.
A solução para esse problema foi desempoeirar a caixa do banco imobiliário que comprei para os meus filhos há muito tempo quando ainda eram adolescentes. As regras do jogo são simples, vence quem falir todos os outros jogadores, assumindo monopólio da cidade hipotética.
Em jogos de tabuleiro, é comum ver a seguinte dinâmica em ação.
Quando a partida começa, todos estão igualmente empolgados. Logo após as primeiras rodadas, os ânimos passam a se alterar. Quem está ganhando vai ficando mais excitado e elétrico. Quem está indo mal começa a desanimar e vai se retraindo, perdendo a vontade de continuar.
Para o propósito de ganhar, o competidor está disposto a ver as outras pessoas infelizes e até cometer alguns excessos no caminho, fazendo chacotas e se gabando ao longo da partida. Num jogo onde existem apenas duas possibilidades, a felicidade do vencedor tá na frustração daqueles que não conseguiram chegar lá. É assim que funcionam os “jogos finitos”, o objetivo é ser o vencedor.
Lendo assim, pode parecer estranho, mas essa é a mesma mentalidade que carregamos para nossas vidas.
Agora imagine um formato de jogo onde não conseguimos apontar um vencedor, onde as barreiras temporais são removidas, não sendo possível dizer quem ganhou ou por quanto tempo o jogo está rolando. Um modelo que transcende a vida e a morte, que vai além do que somos, ou que conseguimos imaginar para o futuro.
É assim que funcionam os chamados “Jogos Infinitos”.
Fomos criados por nossos pais com a crença de que precisamos vencer na vida. Se não passar de ano, é um perdedor. Mas se for aprovado em medicina, certamente é um vencedor. Raramente te lembram que, se acontecer algum problema no caminho e dessa vez não der certo, ano que vem está aí. Pode até representar um pequeno atraso, mas ninguém vai morrer por conta disso, a bola continua em campo.
Ter uma figura definitiva, seja o vencedor ou o perdedor, implica que o jogo termina naquele ponto, e como demoramos para descobrir, não é assim que a vida funciona. Depois de entrar na faculdade, uma nova rodada começa, novos problemas surgem. Um emprego ruim não significa ser um perdedor, além do mais, pode ser a porta de entrada para outras oportunidades melhores. Assumir que alguém se deu bem ou mal baseando-se num pequeno evento, num curto espaço de tempo, é simplificar demais algo muito mais complexo.
Quando mudamos a forma como enxergamos a realidade, muita coisa deixa de ter importância. Deixamos de lado a postura de competidores e assumimos um olhar contemplativo. Estamos aqui como parte de algo muito maior, apenas deixando nossa contribuição e, quando formos embora desse mundo, o jogo continuará sem nós.
Ouvimos o tempo todo pessoas questionando se são velhas demais para começar algo novo, mas quando não existem vencedores, pouco importa sua idade. O que importa é garantir que ainda está participando do jogo.
Precisamos deixar de acreditar nesse cenário falso onde um precisa perder para o outro ganhar.
Ao deixar de jogar o jogo finito e partir para o jogo infinito, nos tornamos mais humanos.
Nos encontramos como parte do universo, e aí a única coisa que importa é que o jogo não pode parar.
"Vencer na vida" não existe. Na vida, querder vencer é o pior jeito de jogar.
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