FERIDAS HERDADAS
As feridas emocionais se estendem através dos laços familiares de forma quase implacável. São como uma sombra que se camufla nas palavras, na educação, nos silêncios, nos olhares e nos vazios. Até que alguém mais consciente detém o processo, diz basta e foge de lá, dessa teia de aranha.
Trancados no isolamento dos próprios lares, quase ninguém sabe com plena ciência o que acontece entre essas quatro paredes onde uma ou duas gerações de pessoas compartilham um espaço em comum e os mesmos códigos.
As feridas de uns impactam sobre os outros como ondas invisíveis, como fios que movem fantoches e como ondas carregadas de raiva. Então, vamos falar de uma coisa complexa, dolorosa, e às vezes dilacerante.
Essas feridas de que falo, são “lacerações” emocionais causadas por processos muito comuns como ter crescido sob uma criação baseada no apego inseguro ou fazer parte de uma família onde a ira sempre está presente. São contextos onde abundam os gritos, as censuras entre os seus membros, a toxicidade emocional, o desprezo e a desvalorização. Outro aspecto que pode ocasionar um grande impacto no seio de uma família é o fato da mãe ou o pai viver mergulhado em uma depressão crônica e não tratada. A impotência, os códigos de comunicação e as dinâmicas estabelecidas entre pais e filhos deixam marcas permanentes. Alguns estudos e pesquisas, relatam que quando uma criança está rodeada de um entorno de confusão, caos emocional e vulnerabilidade, experimenta níveis exorbitantes de estresse e que isso tem impacto a nível biológico, a expressão do genoma, isto é, o fenótipo, mudará segundo as experiências estabelecidas com o ambiente (nutrição, hábitos, estresse, depressão, medos…)
Desta forma, todas estas mudanças irão se refletir também nas novas gerações, fica tudo debaixo da mesma estrutura, a ponto do trauma pontual em uma pessoa afetar até 4 gerações posteriores.
Bom, não é novidade para nós que a dor faz parte da vida, que o sofrimento nos ensina e que é preciso resolver nossas questões para avançar. Na verdade, todas estas ideias têm importantes nuances que é preciso detalhar e inclusive reinterpretar.
Vejam, não é preciso sofrer para aprender; de fato, o verdadeiro aprendizado nos é dado pela verdadeira felicidade. É ela quem coloca os fundamentos de um apropriado equilíbrio emocional, e ela também que nos coloca em contato com aquilo que realmente é significativo para nós. É por essas coisas que vale a pena lutar.
Então, não deixe que as suas feridas transformem você em alguma coisa que você não é.
Ninguém é obrigada a nada, apenas digo que a reconciliação mais importante que temos que realizar é com nós mesmos. Uma ferida emocional nos transforma em uma coisa que não nos agrada: em alguém que sofre, que se enxerga como frágil, pouco habilidoso, em alguém cheio de ira e rancor e que ainda é prisioneiro de quem o "prejudicou". Devemos aprender a nos curar, a reconciliar-nos com nosso ser ferido para fortalecê-lo, cuidá-lo e atendê-lo…
Por fim, e não menos importante, é preciso detectar logo cedo as feridas emocionais das crianças.
Não podemos esquecer que, apesar de nenhum de nós poder escolher nossos pais ou a família em que nascemos, todos temos o pleno direito de ser felizes, de levar uma vida digna e com um adequado equilíbrio psicológico e emocional. Devemos lutar por isso.