A QUEM INTERESSA VIVER EM UM BRASIL DE PLENO EMPREGO, MAS ONDE QUASE TODAS AS PESSOAS TRABALHAM EM EMPREGOS MISERÁVEIS E INSEGUROS, PRECARIZADOS E INDIGNOS ?
Hoje, economistas admitem que o salário mínimo é desumano e indigno, mas argumentam, com resignação, que o país iria à falência se pagasse um salário mínimo humano e digno.
Ontem, cafeicultores admitiam que a escravidão era desumana e indigna, mas argumentavam, com resignação, que o país iria à falência se as lavouras fossem plantadas por pessoas assalariadas.
Seja na época colonial ou no desgoverno Temer, o consenso entre as-pessoas-brasileiras-que-vivem-em-condições-humanas-e-dignas é sempre o mesmo:
Me parece que o Brasil só pode existir enquanto entidade política viável se mantiver grande parte das outras pessoas brasileiras em condições desumanas e indignas.
Mas é viável uma entidade política que não consegue nem mesmo garantir condições humanas e dignas para a maioria de sua população?
Nesse caso, existir para quê? Existir para quem?
Digamos que economistas façam uma proposta modesta: se devorarmos as pessoas mais pobres, resolveremos todos os problemas econômicos do Brasil!
Eu poderia até dizer que essa proposta é imoral e ineficiente, mas uma coisa é certa:
Como esse plano nunca foi tentado, não fazemos ideia do que pode acontecer. (Aposto que não seria nada de bom.)
Por outro lado, quando economistas propõem desmontar as leis trabalhistas para turbinar a economia, a única resposta possível é que já sabemos que não funciona. (O mundo era assim até anteontem.)
No passado, a disseminação desses empregos miseráveis e inseguros, precarizados e indignos, causou uma crise social tão grande que só foi solucionada...
...pelas próprias leis trabalhistas que agora querem destruir.
Nenhuma conquista social foi ganha de mão-beijada.
Cento e poucos anos atrás, as pessoas que hoje acham que greve é coisa de vagabundo diziam que jornada de oito horas, semana de cinco dias, férias anuais, pagamento de hora extra, pausa para almoço, etc, era tudo coisa de vagabundo.
Esses direitos que desfrutamos hoje só foram conquistados porque muita gente apanhou da polícia, foi torturada, perdeu a vida.
Então, quando se luta, não é por nós, mas por pessoas que ainda nem nasceram: é pelos filhos e pelas filhas de quem bate nos que estão se manifestando.
Acredito que lutam não porque sabem ou acham que vão ganhar.
(Muito provavelmente, a luta não pode ser ganha. Muito provavelmente, a luta não tem fim.)
Nesse cantinho do espaço-tempo que nos cabe viver (nesse pedaço leste da América do Sul, nesse começo de um século que não veremos o fim), a única coisa que podem garantir é que vão lutar.
E vão lutar não porque a vitória é possível, mas porque seria intolerável testemunhar o horror e a injustiça, e não lutar.