quarta-feira, 26 de abril de 2017

O JOGO DA BALEIA-AZUL

O VELHO SUICÍDIO NUM QUIZZ INTERNÉTICO 


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As discussões públicas sobre jogo da Baleia Azul – quizz internético no qual deve-se cumprir 50 tarefas, que vão desde desenhar uma baleia azul em uma folha de papel; passando pelo autoflagelo e pela mutilação do próprio corpo; terminando com o suicídio dos jogadores – ganharam grande repercussão na mídia. 
Sintomaticamente, o tal jogo envolve não só automutilação mas também atividades arriscadas em geral e como último e fatal desafio, tirar a própria vida: só assim, eles dizem, você ganha o jogo.
O jogo da Baleia Azul me parece ser o novo avatar do velho suicídio. Sabemos que o suicídio varia de sociedade para sociedade; de cultura para cultura; estando, no entanto, presente em todas e em todos os tempos. O suicídio é uma expressão social, mata muita gente no mundo todo. Entre os jovens, a incidência é maior: Na faixa etária de 15 a 29 anos, já li que, apenas acidentes de trânsito superam o suicídio. Logo, devemos refletir sobre os presentes suicídios causados pelo jogo da Baleia, vendo neles a nova roupa, ou, por se tratar de uma interação mediada pela Internet, o novo velho e constante suicídio. 
As atuais reflexões sobre as vítimas da Baleia Azul, resume a problemática dizendo que a causa desses suicídios é ou a depressão, ou a insanidade mental dos jovens suicidas. 
Aos que insistem em que as causas do suicídio são psicopatológicas, caberia interpretar dizendo que se a tendência ao suicídio constitui uma variedade da loucura, só pode ser uma loucura parcial, e limitada a apenas um ato. Em outras palavras, o suicida não é um louco, mas um quase-louco, que age tresloucadamente apenas no ato de se matar. Essa quase-loucura, é um doença cuja consciência é perfeitamente sã, salvo em um ponto: ele apresenta uma tara, e nitidamente localizada. No caso dos suicidas, a tara de se matar, e nitidamente localizada no instante em que o faz. 
De fato, como estou insistindo aqui,  a Baleia Azul é apenas a mais nova roupagem do suicídio; o último avatar que dá vida à impossibilidade de se viver apropriadamente. Uma vez que, de um lado, o suicídio é um fato cultural universal, muito constante nas sociedades; e, de outro lado, dado que é a nova moda em matéria de suicídio. O espanto com os suicídios causados pelo jogo da Baleia deve ser domado pela compreensão do suicídio enquanto um universal humano. Até porque toda moda, passa; o que não passa,  é o próprio suicídio.
O que mais espanta a “opinião pública” não-suicida, e inclusive os suicidas tradicionais, é que as mortes voluntárias causadas pelo jogo da Baleia não são nem solitárias, nem tampouco solitariamente decididas, mas, ao contrário, ordenadas e assistidas por um outro, ou por outros que habitam a profundidade insondável da Web. Entretanto, para uma geração que não consegue mais viver off-line, também o suicídio não poderia deixar se ser online, youtubizado, instagramizado, curtido e compartilhado. Reflexo dos novos costumes, folks.
Tirando a vulnerabilidade do mundo adolescente, vivemos em uma era de liberalidade extrema que prega que as pessoas devem ser livres para fazerem o que bem entendem. Atualmente há liberdade inclusive para se discordar do sexo biológico com o qual se nasce em função de sexualidades subjetivas. A virtude do discurso padrão é sustentar que as pessoas devem usufruir de suas liberdades desde que não privem os outros das suas. Agora, a liberdade de não mais viver,  essa segue negada. Se ainda há uma tirania da vida, os jovens seguidores da Baleia Azul são os mais novos rebeldes dissidentes. 
Não sabemos o que há depois da vida. Bebemos dessa ignorância, aliás. Insólita condição essa a do ser humano de saber que vai morrer, mas sem saber nem quando nem o que é a morte. Suicidar-se é, para dizer o mínimo, eliminar a primeira dúvida. Para os que querem vencer o quizz, muitos de nossos adolescentes,  “Ganhar o jogo” é se livrar da obrigação de continuar vivendo – e isso é o que mais choca. 


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