sexta-feira, 11 de março de 2016

PROTESTO ANTI-CORRUPÇÃO PRA MIM É CHOVER NO MOLHADO!

 UM MOVIMENTO VAZIO E INGÊNUO EM DEFESA DE ALGO QUE NINGUÉM É CONTRA

Domingo próximo está agendada mais uma manifestação popular e o mais comédia é que a marcha é dita como um movimento anti-corrupção.
Nada pode ser mais vazio e demagógico do que se colocar fortemente em defesa de algo… que ninguém é contra! Como a corrupção.
Faz sentido uma marcha pela descriminalização da maconha… porque existem de fato pessoas e grupos e movimentos que são a favor da maconha continuar proibida. (E vice-versa.)
Faz sentido uma campanha em prol de mais religião no Congresso… porque existem de fato pessoas e grupos e movimentos que acham que o Estado deve ser mais laico. (E vice-versa.)
Na prática, o que quer dizer ser contra a corrupção, afinal? Existe algum grupo, partido, organização pró-corrupção? Que ações concretas isso implica – além da oratória vazia? O que uma pretensa senadora ou prefeita anticorrupção faria que já não seria sua mais reles obrigação?
Tem muita gente que pode estar pensando: "existe gente que é a favor da corrupção sim". Claro que existe, assim como existe gente que não cumpre as leis e seria igualmente ridículo e redundante uma marcha pelo "cumprimento das leis". A questão é que não existe ninguém que defenda a corrupção. Não existe movimento pró-corrupção.
Essas pessoas que marcham contra a corrupção via de regra são as mesmas que se dizem apolíticas e que fazem desabafos como:
"Sou apenas um indivíduo livre, não tenho raça, não sou afiliado a partido, não tenho ideologia, não me meto em política! Quero só ficar aqui quietinho no meu canto, trabalhando duro, cuidando da minha família, viajando, curtindo meus livros, sendo feliz! E quero que esses políticos corruptos parem de roubar, claro!"
Certo ou errado, o problema de quem fala essas coisas é não perceber a sua própria ideologia.
Ideologia é o conjunto de ideias, saberes, preconceitos, etc, que permite que as pessoas se relacionem com e façam sentido da realidade: são as lentes através das quais percebemos o mundo. Por isso, não faz sentido falar de ideologia como algo necessariamente ruim, ou oposto à "verdade". Não existe verdade a-ideológica: qualquer verdade será sempre apreendida através da ideologia de quem a vê.
A ideologia de se achar sem ideologia é uma das ideologias mais disseminadas em nossa sociedade,  serve de justificativa para todo tipo de apatia, especialmente da supressão do diálogo político. Nesse caso, cometer a enorme redundância de marchar contra algo que todo mundo é contra torna-se apenas mais um sintoma dessa apatia em estado terminal.
Quem reclama de não aguentar mais "tanta ideologia" não é uma pessoa livre-pensadora, descompromissada e apolítica tentando formar suas próprias opiniões, mas sim uma pessoa que só gosta de se expor às opiniões com as quais já concorda e que se sente extremamente incomodada quando exposta à opiniões diferentes.
É impossível um texto não ter ideologia ou não estar totalmente imerso na ideologia de sua autora ou, no mínimo, da sociedade que a produziu. Quando você tem a ilusão de ler um texto que não é ideológico, isso simplesmente quer dizer que o texto tem a mesma ideologia que você: logo, que a ideologia do texto é invisivel.
O que quero dizer, em outras palavras, é que para além daquilo que você está reagindo (no caso a corrupção), em seu discurso também existem ideias que envolve uma forma de buscar "um novo mundo", que são os aspectos ideológicos. Sendo assim, apenas criticar a corrupção, sem perceber o seu viés ideológico (o viés de quem está criticando), não reconhecer que no seu discurso há sim uma proposta política, e que essa proposta tem sim consequências muito reais, acaba sendo um ato vazio, e por vezes ingênuo. Vazio porque você não consegue realmente colaborar com um projeto de mudança, e ingênuo porque pode estar sendo manipulado por aqueles que tem clareza em suas intenções (e no seu projeto político).
E mais! Entendo que a corrupção nem é algo que se pode ser a favor ou contra  porque não é uma opinião, não é algo que se presta a discussão, acontece não porque é algo que você tem que opinar, mas por causa de 800 outras coisas.
O problema é que a discussão se limita a: "corrupção acontece porque tem gente que é corrupta e safada, e a gente tem que lutar contra esse povo safado." 

É muito mais complicado que isso: a coisa não se resume a só uma falta de virtude - isso é o que justamente deixa essas pessoas no topo - a falta de virtude individual esconde a falha gritante no estrutural.
Trata-se mais de uma questão de entender que não existe neutralidade no discurso político. Além de reagir contra alguma coisa (aqui neste tópico é a corrupção), todo discurso político propõe um modelo, partindo de uma determinada leitura da sociedade, que certamente vai afetar as disputas no interior da sociedade. A ideia principal aqui foi  ressaltar a importância do saber se posicionar, entendendo aquilo que se está apoiando com clareza. Em outras palavras, não existe um discurso neutro de reação a corrupção: todos os discursos estão embutidos de ideologia, e é preciso ter clareza e honestidade quanto a isso.



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