segunda-feira, 28 de março de 2016

UM PSICOTERAPEUTA TRABALHA COM FANTASMAS

OS CAÇA FANTASMAS



Ser um psicoterapeuta é ajudar o outro a pegar suas imagens mentais perturbadoras e clareá-las, tirar o seu poder. As imagens perturbadoras do que nós fizemos e do que os outros fizeram nos acompanham como fantasmas. Logo um psicoterapeuta trabalha com fantasmas.
Sim um terapeuta é um caça fantasmas, não aqueles que dizem assombrar mansões endiabradas, mas aqueles que habitam o imaginário humano.
Quando uma pessoa fala sobre um amor perdido, um emprego encerrado ou a morte de um ente querido um psicólogo mergulha no seu mundo psicológico (quase literalmente) e é aí que enxerga sua casa mental mal-assombrada.
Ali vê restos de sentimentos, fuligem psicológica do passado, imagens completamente desgastadas e visões desidratadas da vida.
O cenário não é dos mais propícios e daí vem a confusão mental que fazemos entre realidade concreta e realidade interna. Lá  na terapia raramente se dá muita importância a realidade concreta falada, mas sim a interna e é ali que começa o trabalho de um psicólogo.
Se eu for argumentar sobre um João da Silva citado na sessão terapêutica, eu posso cair no engano de tratar inadequadamente sobre uma pessoa que não conheço. Um psicólogo vai tratar do João da Silva imaginário com o qual sua paciente se relaciona, pois é esse que afeta as decisões e impressões dela.
Quando uma paciente fala do amor perdido, do João da Silva aquele que a desiludiu, um psicólogo não se importa se o cara foi um cafajeste ou não de fato (não se tem acesso a essa informação fidedigna), mas com a necessidade da pessoa alimentar uma relação imaginária com uma figura que a desilude. Pode ser que a pessoa sustente essas imagens mentais como uma forma de preservar uma dignidade, integridade pessoal ou apenas se vingar de uma figura imaginária.
Ao não abrir mão do cafajeste e maldizê-lo constantemente a pessoa permanece aprisionada com ele numa cela de indignações. É ela que o mantém, ainda que alegue não conseguir se desligar dele.
O apego a essas imagens internas é que prejudica o desenvolvimento das pessoas. O João da Silva pode ser até igual ao que é relatado, mas na hora decisiva é da imagem mental dela que estamos tratando e de como se relaciona com a importância que dá a ela.
O trabalho de um psicoterapeuta é fazer perguntas, constatações, provocações, visualizações que apontem alternativas, novas fontes internas e caminhos menos doentios.
Nessa hora cirúrgica que surge o dilema de cada um em abandonar imagens e sensações fantasmas para se envolver no presente cheio de ambiguidades da realidade que está diante dos olhos.
Há quem prefira ficar “amarrado” numa história imaginária a ter que enfrentar os riscos do novo.
Na realidade, nem  psiquiatra com seus medicamentos de efeitos imediatos, que não substituem a psicoterapia por lidar apenas como aspecto biológico do processo, nem psicoterapeuta nenhum pode sequestrar ou caçar os fantasmas de ninguém. Este último apenas pode ajudar a identificá-lo e convidar a pessoa para um novo olhar sobre a vida.
A nobre conversa, a mais legal que a gente pode ter com uma pessoa é aquela que nos ajuda de novo e de novo a olhar para nós mesmos e ver que os nossos problemas, vêm do desejo, do querer não ser ninguém, indo a lugar nenhum.


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