NÃO PRECISAMOS SER ESPECIAIS
A tentativa de se tornar especial é justamente aquilo que nos iguala à massa. Basta observar as pessoas em seus longos rituais de faculdade, emprego, casamento... Fora, buscamos algo exclusivo, VIP, premium. Dentro, tentamos cultivar algum diferencial, alguma habilidade única, encontrar nosso dom, talento, algo verdadeiramente nosso, único, pessoal.
E quando enfim conseguimos, encontramos milhares de outros. Idênticos, nada especiais. Igualmente cansados e insatisfeitos.
Há uma espécie de ingenuidade que nos cega ao fato de que não há nenhuma emoção, pensamento, ideia, ação, história que nos aconteça e não possa igualmente surgir em outro corpo, outra mente, outro ser. Dormimos agarrados aos nossos dramas pessoais e aos nossos sonhos como se eles nos definissem...
Ironicamente, quanto mais ignoramos nossa total ausência de originalidade, quanto mais tentamos ser especiais, maior nossa artificialidade. Terminamos nos sentindo sem identidade, como se estivéssemos em uma vida que não é nossa, e com ainda mais ânsia por algo que nos torne únicos e especiais.
Nossas tentativas de fazer o outro se sentir especial criam uma base superficial para o relacionamento. "Você é insubstituível" significa "Eu quero ser insubstituível para você".
A prova? Quando somos substituídos, quando deixamos de ser a pessoa especial, imediatamente paramos de vê-la como especial. Ou pior: nos ajoelhamos pedindo para que ela volte a nos ver do jeito que nós não conseguimos parar de vê-la.
O reconhecimento honesto de que não somos nada especiais abre caminho para realmente nos sentirmos satisfeitos, em casa em nosso corpo, no local onde estamos, no tempo em que estamos. Sem tanta auto-importância e seriedade, nossa presença se torna flexível o bastante para tocar uma outra pessoa.
Terapeuticamente falando o objetivo seria viver a experiência de que não somos grande coisa e, em particular, não somos a única coisa que falta para que o mundo seja perfeito e para que a nossa mãe seja feliz. Nesse momento poderiamos vivenciar uma espécie de desamparo, mas também uma extrema liberação.
Por que liberação? Porque talvez, o que mais nos faz sofrer talvez seja justamente a relevância excessiva que atribuímos à nossa presença no mundo
Quando abdicamos da necessidade de ser especial, finalmente vemos os outros e então somos enfim vistos. Afinal, a constante encenação e tentativa de ser alguém impedia os outros de nos verem e de se relacionarem diretamente conosco.
Em geral, ficamos perturbados quando temos uma visão sobre como as coisas deveriam ser, quem nós deveríamos ser e como os outros deveriam se comportar. Quando isso não acontece, surtamos. Sem essas visões, não temos sequer referencial para surtar.
Para vermos uma outra pessoa, é preciso dar um passeio fora de nossa cabeça. E nessa terra de ninguém a pergunta "Sou especial?" nunca existiu.
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