A DOR FUNDAMENTAL DE EXISTIR
Ao longo da vida enfrentamos situações difíceis, dilemas que nos colocam diante de confrontos quase impossíveis de resolver usando uma lógica simplista a respeito do que é certo e errado. Certas condições humanas podem ser certas e erradas simultaneamente e não existe uma resposta óbvia ou um caminho fácil.
A maioria das pessoas evita lidar com esses momentos à todo custo, pensando que ao evitar o que está debaixo dos pano faz com que elas simplesmente desapareçam. Deixar uma pessoa que um dia já amamos, desistir de um trabalho lucrativo, mas moralmente penoso, permitir que um filho lide com um momento difícil sozinho, enfrentar uma doença crônica ou fatal sem autopiedade, enfim, são muitas escolhas duras pela vida.
Ao contrário do pensamento comum ignorar um fato não o torna menos doloroso ou amargo, falsamente o remedia e de forma geral coloca fermento na questão. Problemas humanos não desaparecem sem ação, eles crescem, mofam, se incrementam, criam garras e quando notamos ele ficou ainda mais impregnado em nós. O efeito colateral de evitar uma dor, uma perda ou um destino difícil, é que sem perceber, nos desfiguramos e moldamos para ajeitar aquela dor que tenta ser evitada.
Inconscientemente vamos criando uma casca de proteção para conviver com o espinho cravado no peito. Para proteger essa dor de mais dor criamos outros problemas, nos afastamos dos outros, recusamos possibilidades concretas de saída e até magoamos quem quer ajudar. Uma camada de dor vai se sobrepondo a outra, até que em dado momento da vida já não lembramos mais quem fomos originalmente. Aquela criança sem maldade com o passar dos anos, para se proteger de algum conflito moral antigo, acaba endurecendo, perdendo a confiança nas pessoas e agindo como se todos tivessem que pagar pelo mal secreto que carrega consigo.
Os resultados desse tipo de endurecimento podem ser vistos por todos os lados, é só procurar, repare. Pessoas incapazes de se relacionar intimamente com outras por que se fecharam numa mágoa quase irrevogável seja pelo pai que se ausentou ou a mãe que disse coisas terríveis. Quantas mães também carregam seus bloqueios e não conseguem se conectar com seus filhos por culpas secretas ou por lembrarem do namoradinho desaparecido que deixou um filho na rota de fuga.
Existem ainda os que fazem escolhas morais irreversíveis e, depois de cruzarem a linha do que consideravam certo ou legítimo, acabam agindo compulsivamente na mesma direção fúnebre, como quem compactua com à própria culpa e assume perpetuamente o papel de ovelha negra. Intimamente a pessoa não se sente merecedora de nenhum amor por ter prejudicado alguém.
Quanto sofrimento causamos e ainda vamos causar por conta dessa inconsciência interior, criando outros ciclos de culpa, tentativa de expiação e problemas sobrepostos?
Ao ouvir as pessoas relatarem os seus dilemas impossíveis, no fundo o que buscam é um tipo de cura para o que não tem cura. No fundo gostariam de apagar o fato de que seus desejos as levam para lugares prejudiciais e que na maioria das vezes, mesmo sabendo que caminham em direção ao precipício, não querem deter os próprios passos. Para alcançar o “prêmio” guardado machucam à si mesmas, crédulas que podem salvar seus corações da dor fundamental de existir.
O que ignoram é que mesmo obtendo o emprego dos sonhos, o amor de suas vidas, o dinheiro milionário ou todo conhecimento do mundo, ainda assim lidarão com escolhas difíceis. Não é possível seguir numa direção sem sacrificar algo no meio do caminho. O que desejam silenciar com buscas insaciáveis é que ao escolher uma rota a outra é dispensada e que não conseguimos incluir todos os nossos pertences prediletos.
Uma vez que o tempo passa os dilemas parecem se tornarem mais complexos e sem trégua. A velhice se aproxima, a morte ronda com mais força e as dores emocionais se tornam físicas. A ampulheta revela que não somos invencíveis. Descobrimos que mesmo com todos os esforços (e tentamos freneticamente) aquilo tudo no que apostamos com todas as forças terá um fim. Até mesmo o consolo espiritual que muitos buscam não cicatriza com facilidade o fato de que a vida como a conhecemos em algum momento deixa de existir.
O que resta então, parece ser esse sentimento inconveniente de finitude em que todos estamos no mesmo barco tentando nos distrair, criando mimos e pequenas aventuras e problemas. Tudo isso dá uma certa graça, mas ainda parece insuficiente.
Em algum momento diante das perguntas essenciais (e ignoradas) da vida o que nos conforta é que podemos contar uns com os outros. Nesses tropeços emocionais é onde trombamos no amor daqueles que nos resgatam o que há de melhor.