OS MOMENTOS IMPERFEITOS SÃO OS MAIS BELOS
Eu ia colocar “A sabedoria do fracasso” como título, porque é disso que vou falar. Depois pensei em “Sobre o fracasso”, mas logo vi dois problemas com o novo título: era por demais acadêmico e usava artigo definido, conferindo uma certa importância ao tema, o que contradiz a defesa que farei daquilo que não é importante. Substituí por artigo indefinido e acho que ficará (quase) perfeito.
É justamente sobre este (“quase”) que vou falar. Assim mesmo, com parênteses e aspas, afinal tudo o que importa é sempre vivido e dito entre parênteses e aspas. Nossos grandes momentos não são aqueles em negrito, itálico, destacados, sublinhados. São os borrados, apagados, entre aspas e parênteses, sem acentos, com uma vírgula naquele lugar errado que leva à ambiguidade. Tudo sem começo e antes do fim, reticências. Ainda que nos esforcemos por viver, é quando falhamos que tudo se alinha.
Pense nos momentos mais perfeitos que já viveu e faça uma divisão em cenas detalhe a detalhe. Aquela noite maravilhosa aconteceu justamente no dia que você não estava nada maravilhosa, quando você nem estava esperando, bem no dia que você estava mal vestida e até gripada. Ora, se tais momentos não fossem tão imperfeitos, eles não seriam tão belos. É como se a obra de arte de nossa vida se aproximasse mais de um ensaio rabiscado do que de uma trilogia épica envolvendo cinema, literatura, teatro e dança.
Na ausência de esboços, assim como na vida, o ensaio se faz de súbito, de uma só vez – imperfeito, incompleto, impermanente. Só assim pode descobrir a natureza irretocável das coisas.
Tal “estética do quase” fica oculta para os que fervorosamente buscam o sucesso. Para quem corre atrás da perfeição, a beleza do imperfeito é simplesmente descartada em troca do sonhado dia do “aí sim serei feliz”. Quem será que já atingiu o sucesso? Eu não conheço ninguém. Ainda que saibamos disso, continuamos desejando nos aperfeiçoar e ser o melhor em alguma área. Curiosamente, a riqueza desse processo está na sua inevitável falha, em cada tombo que ele provoca. A busca pelo sucesso só é produtiva porque culmina no fracasso (ou seja, ela é sempre produtiva!). Mas não falo dos pequenos fracassos cotidianos com os quais estamos acostumados. Não. Para a coisa funcionar, o fracasso deve ser irremediável.
Em algum ponto de nossa vida, a ironia cósmica ficará óbvia diante nós. Vamos perceber que acabamos nos transformando em algo muito menor do que a pessoa que sempre havíamos sonhado ser. A maioria de nossos projetos não deu certo. A maioria de nossos momentos foram esquecidos. Nossa vida foi um desperdício, uma perda de tempo. Estávamos muito distraídos! Depois de anos, décadas, a distração passada aparece como uma dor cortante no meio do peito. Uma dor que começa quando acordamos e não pára nem quando queremos dormir. O fracasso não só será esfregado em nossa cara: ele se mostrará como nossa face original.
E então pensei em acabar o texto com alguma reviravolta otimista, indicando uma saída transcendental ao fracasso, falando de liberdade. Pensei em citar um mestre, um filósofo e um comediante. Talvez inserir alguma sacada engraçada e finalizar com um ponto de exclamação. Escreveria sobre como os fracassos esmagam cada uma de nossas artificialidades e nos deixam nus, abertos ao mundo, livres de nós mesmos.
Temos medo de errar e para tanto melhor nem arriscar. O problema dessa bolha de proteção é óbvio: não há aprendizado ali dentro. Aprender é caminhar para fora, sempre. Lembrei agora que sempre esqueço dos padrões que repito incansavelmente. Esqueço como se estivesse errando tudo pela primeira vez! Mas não posso me esquecer nunca que sempre que evitei o fracasso, não tive nenhuma chance de obter sucesso porque desisti, deixando de realizar aquilo que eu tanto queria. Para mim, desistir é a única ação além de sucesso e fracasso.
Como já foi dito: “Para a coisa funcionar, o fracasso deve ser irremediável”...
Pensando nisso, acho que escrevo para aperfeiçoar o meu fracasso. Portanto não lute contra um fracasso!
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