domingo, 19 de julho de 2015

A QUESTÃO DO MAL

O MAL NÃO É UMA CONDIÇÃO PERMANENTE, EXISTENCIAL, METAFÍSICA. O MAL É UM COMPORTAMENTO.


O mal existe apenas como um comportamento humano. O mal é um contínuo de ações no qual podemos nos mover de um extremo a outro e, até mesmo, sair.
O mal é a falta de identificação. O mal são os olhos cegos e os ouvidos surdos. O mal é a desatenção e o egoísmo. O mal é aquilo que sinceramente não te ocorre, que realmente não enxergou, que jura que não ouviu, que não sabe como foi esquecer.
O que é um batedor de carteiras comparado ao honesto pai de família que não enxerga nada a sua volta? Que não vê sua esposa insatisfeita e desesperada, seus filhos confusos e autodestrutivos, seu amigo abrindo a garrafa de uísque cada vez mais cedo?
O mal é cruzar todo dia pelo seu porteiro com o braço engessado e nunca perguntar, nunca se preocupar, nunca nem reparar.
O mal não é ser dono de uma fazenda com duzentos empregados: o mal é ser contra uma nova estação do metrô porque vai destruir as arvorezinhas da sua praça e nunca te ocorrer das centenas de milhares de trabalhadores que não têm carro, passam horas e horas em ônibus e terão suas vidas significativamente melhoradas por uma nova estação.
O mal é você relaxar do seu longo dia de trabalho curtindo um filme, depois de um belo jantar feito pela sua irmã, e nunca lhe passar pela cabeça que ela teve um dia igualmente longo de trabalho, ainda por cima fez o jantar e agora está sozinha tirando a mesa e lavando a louça, e ainda perdendo a chance de ver o filme!
Você se diz um distraído. Mas a “distração” que te faz esquecer não é o que te justifica, entende? É o que te condena!
Você não é uma pessoa boa que tem péssima memória e é muito distraída. Sua péssima memória e sua extrema distração são sintomas de seu profundo desinteresse por tudo que não diga respeito a você.
Duvido que esqueça os nomes dos vice-presidentes da empresa que vão decidir sua próxima promoção. Duvido que esqueça o endereço daquele cara por quem você se interessou. 
Você esquece é de lavar louça (“puxa, fiquei aqui distraído do filme, esqueci totalmente da louça, agora ela já lavou, amanhã ajudo!”). Você esquece é de assinar o livro dos porteiros (“putz, com essa correria de natal, nem lembrei, mas tudo bem, ano que vem dou em dobro!”).
É muito fácil nos absolvermos. Em nossa cabeça, somos sempre os protagonistas do filme da nossa vida. Tudo o que fazemos é sempre justificado.
Se dirigimos perigosamente e alguém nos xinga, ainda nos achamos no direito de ficar chateados ou revoltados:
“Poxa, ele não vê que estou com pressa? Respeito as leis do trânsito todo dia, mas hoje tenho aquela reunião importantíssima!”
Não interessa o que seja: ou fizemos o certo (e o mundo tem que ver reconhecer e nos premiar, senão é muita injustiça) ou fizemos o errado, mas por um motivo totalmente válido (e o mundo tem que reconhecer e nos entender, senão é muita injustiça).
O que estou propondo é o oposto: qualquer comportamento seu que precise ser justificado ou racionalizado já está por definição errado.
Mais ainda: talvez você não seja uma pessoa boa.
Já pensou nisso?
O mal não é uma condição permanente, existencial, metafísica. O mal é um comportamento.
Então, basta começar a botar a mão na massa. Um dia de cada vez.


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