sexta-feira, 17 de julho de 2015

SER PESSOA

CONTRA OU A FAVOR DA MARÉ


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Quando estamos remando a favor da corrente, descendo o rio, sendo tudo aquilo que a sociedade espera de nós, a viagem é tranquila e agradável, o mundo parece livre e florido, a vida não exige esforço algum.
Na vida, antes de mim, algumas amigas criadoras de caso reclamaram da correnteza, denunciaram que o rio é caudaloso e violento, mas  nem entendia direito o que queriam dizer:
“Gente, o rio é tão tranquilo, tão gostoso de navegar, será que não são vocês que estão vendo coisas?”
Um belo dia, entretanto, deixamos de ser uma ou mais daquelas coisas que a sociedade espera que sejamos. Pode ser um desvio pequeno ou grande, incidental ou existencial, pode ser uma decisão de momento, pode ser revelar ao mundo aquilo que você sempre foi: dizer-se ateu, decidir jamais casar-se , decidir não procriar, sair do armário.
De repente, a corrente não está mais nos levando para onde queremos ir: ela continua, como sempre, nos levando em direção a um emprego em tempo integral, mas agora queremos ser atrizes de teatro infantil. Para chegarmos ao nosso novo objetivo, para sermos quem queremos ser, teremos que remar contra a correnteza.
Nesse momento, quando enfiamos o remo na água para remar contra a corrente, é que percebemos tudo aquilo que não percebíamos antes: que aquele rio que parecia tão agradável e tranquilo na verdade é forte, caudaloso, intolerante.
Um rio que é tão violento quanto são violentas as margens estreitas que o limitam. A correnteza é forte, inapelável, constante: ela está sempre nos levando rumo ao padrão que a sociedade exige de nós, tentando nos transformar em pais e mães de família, trabalhadoras, consumidoras, monogâmicas, heterossexuais, conservadoras.
Ninguém é tão transgressora que não aceite grande parte dessas obrigatoriedades sociais: mesmo quando transgredimos algumas, acabamos aceitando a maioria das outras.
Somos todos, em diferentes graus, transgressores e conformistas.
Mas, se quisermos transgredir em qualquer coisa, teremos que remar contra a corrente.
Ser quem queremos ser é uma luta diária, um exercício de remar contra a corrente durante toda nossa vida; de parar e descansar e ser arrastada para trás e então remar tudo de novo; de manter o olho cravado em nosso objetivo, seja ele qual for; de recusar todas as coações e  seduções que surgirem ao longo do trajeto; de articular sempre quem somos e quem desejamos ser. E essa é a parte mais difícil, é um exercício de efetivamente sermos  pessoa.
Quem está remando contra a corrente precisa se autoafirmar: é necessário articularmos sempre o nosso objetivo — justamente para não nos desviarmos dele.


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