A NECESSIDADE DE ALTERAR O CAMINHO
Parece que todos nós sofremos de um problema coletivo, anterior às aflições: uma falta de confiança em nossa natureza livre, em nosso potencial de transformação.
Ainda que a gente não reconheça, nossa natureza não é ciumenta, não é ansiosa, não é desequilibrada, assim como o corpo não é gripado por natureza. Nossa natureza é livre e nunca foi limitada pelos seus condicionantes, assim como um espelho nunca chega a se tornar as imagens que reflete. Se você fosse mesmo alguma das suas identidades, você nunca poderia se tornar outra coisa.
Essa descoberta não se faz olhando para a evolução de nossa espécie, para nosso cérebro, para nosso DNA, para os bebês, para doutrinas filosóficas, para teorias de psicologia, enfim, para qualquer coisa externa. Essa descoberta se faz olhando em primeira pessoa para a própria mente e para a vida cotidiana.
Transformar não é fazer um remendo, uma melhoria, uma solução, também não é um aprimoramento para nos tornarmos pessoas melhores agarradas em histórias mais interessantes. Não é simplesmente mudar de experiência, mas sim mudar o nosso interior (é o que transforma). As pessoas cansam de mudar e não chegam a lugar nenhum. Porque acham que a solução simplesmente está em sair de alguma coisa e ir para outra, que se torna uma novidade, algo empolgante. Só que logo depois já se cansaram e procuram outra coisa, e assim sucessivamente... "aquilo não era eu", vou pra outra coisa "isso sou eu", aí se cansa novamente "isso também não sou eu", assim continuam eternamente perdidos, e isso cansa... Por isso estamos cansados...
...Cansados de compartilhar frases de sabedorias que não sabemos praticar. Cansados de tentar o caminho do controle, como uma mosca batendo no vidro, de novo e de novo, sem desconfiar que talvez não seja uma boa ideia condicionar o brilho de nosso olho ao movimento de outros olhos. Cansados de ser tão repetitivos.
Cansados de nos ocupar, como se relaxar fosse errado. Cansados de buscar o sucesso e temer o fracasso. Cansados de ceder ao ciúme do outro, de alimentar nossos hábitos negativos, de negociar com cada aflição que nos oprime. Cansados de aceitar migalhas de alegria.
Cansados de desejar tanta mediocridade para nós mesmos, como se fossem aspirações elevadas (“Que eu passe no concurso! Que eu me case! Que eu viaje bastante!”), quando poderíamos mirar no céu: “Que minha simples presença possa ser benéfica!" Cansados de confundir nossa bolha com a realidade, sem perceber que os seres não caminham pelo nosso mundo: cada um deles está no centro de um outro mundo. Cansados de reagir e reagir e reagir e reagir, sem nunca estalar os dedos. Cansados de se cansar tão facilmente.
O processo de transformação tem mais chance de acontecer na medida em que deixamos de operar de modo sempre igual controlando e exigindo algo dos outros e da vida, o que nos deixa dependentes, medrosos, esperançosos, tensos, desiludidos. Sofrendo muito antes de sofrer.
Toda mínima aflição é um convite para nos cansarmos logo e nos interessarmos por uma transformação radical.
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