MEUS SENTIMENTOS...
Seria bom se falássemos mais sobre a morte, da sensação de injustiça com a qual a tratamos, como se ela não fosse naturalmente acontecer. Deveríamos falar mais do luto, da falta de rituais que nos ajudem a lidar com as passagens, com os fins e da necessidade de lembrarmos diariamente da morte: a nossa, a dos outros e a dos nossos momentos.
Então deixa eu falar...
Sim, você vai morrer, vai acontecer. Porque aconteceu com uma porção de gente que eu conheço. Meu pai, minha avó, minha madrinha, os presidentes, os reis e papas.
Meu pai morreu há pouco tempo de um AVC. Ele estava bem, bastante ativo, e vivendo normalmente. Foi de repente.
Parece que os que não estão doentes são eternos. É uma maluquice, mas vivemos como se a doença fosse um vírus que acaba com a vida que, até então, era eterna. Só pensamos no fim da vida quando recebemos o diagnóstico de que nossa morte ou a morte de alguém querido está próxima. Nossa mente tem um alcance temporal tão curto que, em geral, mal consegue raciocinar para além de vinte anos. Se a morte está para além de vinte anos, é como se ela nem existisse. Mas o fato é que não podemos sequer garantir que ela não chegue nos próximos vinte minutos! Por isso recomendo doses diárias de contemplação da morte. Passe a examinar o fato de que os seus dias e os do seu pai, da sua mãe, do seu irmão, do se marido, dos seus amigos, dos seus colegas de trabalho estão todos contados. São finitos. Acabarão. Sumirão do mapa. Puf!
Quando alguém tão próximo morre, fica intensamente escancarado que as pessoas morrem! E o fato de eu ter me ocupado dessas questões antes foi e tem sido muito útil. É óbvio que a morte dele foi uma experiência muito intensa e ainda hoje é. Entretanto, pude manter alguma estabilidade de mente, corpo e energia, e ajudar os que estavam ao meu redor. Lembre-se: estabilidade nada tem a ver com frieza e falta de amor; aliás, muito pelo contrário.
Por maior que seja a falta que eu sinta do meu pai agora; por maior que seja meu amor e carinho por ele, carrego o processo repentino da morte dele no meu coração. Foi como ter recebido um ensinamento muito elevado direto na corrente sanguínea, tal sua intensidade. Com suas várias virtudes e defeitos, meu pai me ensinou tantas outras coisas, mas este ensinamento final de sua morte tem tido o poder de tornar a minha vida mais leve e significativa, apesar da saudade que fica. Conscientemente, lembro-me de sua morte sempre que posso e olho para isso cada vez com mais vontade de aprender.
A morte vista de frente tem o poder de implodir as “sujeirinhas” que alimentamos com alguém, as alucinações sobre relacionamentos, dinheiro, desentendimentos e demais “nhenhenhéns” da vida. Quando nos damos conta lá no mais profundo íntimo de que vamos todos morrer, reorganizamos as nossas prioridades.
Resolvi conversar isso com vocês para lembrar que somos uns esquecidos. Que esquecemos de coisas realmente importantes que contribuem para a nossa verdadeira felicidade. Com a evidência dos fatos, aprendi que "tudo o que temos que fazer é nos lembrar". Quanto mais nos lembrarmos da morte, menos nos esqueceremos que não vale a pena investir energia em coisas estreitas. Mantendo uma visão mais ampla, nossa vida ganha sentido e cor, ainda que externamente continue tudo igual: você continua na mesma casa, com o mesmo marido, praticando a mesma rotina, mas, no fundo, está tudo diferente. Internamente, tudo muda.
ROSANE
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