sexta-feira, 27 de março de 2015

PRISÃO PERPÉTUA

LUZ NO CÁRCERE



Nascemos presos e morremos presos. Chegamos ao mundo ligados a um cordão umbilical e nos despedimos dele trancados em um caixão. No decorrer da vida, este cenário não é muito diferente – é apenas pior.
Entenda, a única intenção é discutir a maneira condicional como vivemos.
Pois bem, ao nascer, somos libertados das algemas maternas para sermos entregues ao nosso primeiro confinamento: a maternidade. Esta não é das piores. Afinal, ainda não temos condições de nos virarmos sozinhos. Depois nossas mães devem nos limitar e nos conter nos orientando nas primeiras normas do meio social em que vivemos. Esta é a forma mais primária de opressão que sofremos.
Logo depois, ou paralelamente, vem a jardim de infância. É lá onde encontramos a primeira instituição carcerária. Tudo funciona muito bem: somos trancados, vigiados e temos horário para tudo. Devemos comer na hora determinada, dormir no horário estipulado e ainda passamos por uma “catequização” de dar inveja aos colonos portugueses. Tudo nos é ensinado: comportamento, limites, senso de educação etc. Seria injusto dizer que a principal parte do processo de lavagem cerebral é feita nos limites do pré-escolar. Muito pelo contrário. O sistema carcerário que eu considero o vilão de toda esta história ainda está por vir: a escola primária (hoje o fundamental I). Encaro esta como a pior forma de aprisionamento e opressão, pois é nesta fase que começamos a ter nossas próprias vontades e iniciamos a formação da nossa personalidade. Talvez, por este motivo, seja neste ambiente onde somos mais castrados nas nossas atitudes. Aprendemos a seguir a massa e anular qualquer opinião ou comportamento que não vá de encontro ao interesse coletivo. Sofremos castigos quando não seguimos o padrão e somos excluídos quando não nos interessamos pelas mesmas coisas que os demais.
A semente foi plantada e agora somos pequenos seguidores que levarão, intrinsecamente, esta filosofia. E que a passarão adiante.
Ainda não somos livres: temos de passar pelo ginásio (hoje fundamenta II) e pelo ensino médio. Este é o terror de muitos. Há pessoas que levam traumas desta época para toda a vida. Creio que esta etapa seja tão dura porque, além dos opressores adultos, corremos o risco de sofrer com ataques de nossos semelhantes, que já estão adestrados nas leis do convívio social – é pior ser rejeitado por um semelhante a sê-lo por alguém, teoricamente, superior.
Universidade. Esta é a fase que mais se assemelha à liberdade. Talvez seja por isso que universitários tenham, em sua maioria, um perfil um tanto anarquista, liberal, surtado... Afinal, é tempo de curtir emancipação, “independência” . Entretanto, logo após um raro momento de falsa liberdade, somos forçados a retornar ao mundo factual onde vive-se como peças de xadrez conduzidas por mãos e mentes hábeis.
Chegou a hora de se encaixar no mercado de trabalho. Este é o momento decisivo. Ou você luta por suas vontades, se desvia do caminho proporcionado pelo sistema e segue sua vida sendo apontado como um excêntrico, um vagabundo, um doidão, ou segue os padrões de uma vida normal. 
O martelo foi batido e sua sentença decretada.
Ao longo de vários anos, provavelmente, você terá que se sacrificar por migalhas, passará mais tempo com estranhos do que com as pessoas em casa e terá que ser agradável com pessoas que são desagradáveis com você. Você vai passar por algumas evoluções, mas, junto a elas, vêm mais encargos. O que manterá sua vida em um padrão mediocremente aceitável.
Os anos passam e parece cada vez mais normal a autocensura. Estamos como miquinhos amestrados e, assim como bananas são dadas a eles, pequenas doses de felicidade virão. Talvez, uma casa na praia, um carro bom, uma viagem internacional... Ao fim de tudo, quando a vida em sociedade nos permitir um momento de alívio e descanso, não teremos mais saúde nem forças para aproveitar o que construímos durante toda essa odisseia.
Então, por que isso? Por que toda essa corrida do ouro? Será que a formiga está mesmo com a razão perante a cigarra? Se a vida é tão curta, por que não temos outros objetivos? Por que ficamos cegos atrás do status, do dinheiro e da evolução profissional?
Vivemos numa sociedade que nos impõe este modelo de sucesso, mas temos opções. Há tempo para tudo. Priorize o que é importante para você. Tenha sua individualidade. Isso impedirá que você, ao fim de sua vida, se pergunte: "O que eu fiz por mim mesmo?"

* Quanto as prisões que citei no texto necessitamos delas. São elas que formam nosso caráter. Um bebê necessita da prisão maternal (na verdade isso não é prisão, é o paraíso) para viver. Depois precisa entender que ele não está sozinho no mundo e existem regras para o convívio social.
... Se no fim de tudo, quando já tiver maturidade suficiente achar que está preso demais, basta mudar.


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